quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Regresso

Hoje voltei aqui, após algum tempo. Voltei depois de uma eternidade e de tantas mudanças que a sua mera enumeração seria motivo para não voltar a escrever uma palavra, quanto mais uma linha.

Hoje voltei aqui e pensei voltar. Regressar à escrita mais ou menos compulsiva e pouco disciplinada. Contudo, sei que esta Gaveta está empenada e precisa de ser oleada para deixar de abrir aos gonzos...

Quero voltar. Ser marceneiro de palavras e carpinteiro de ideias organizadas e caóticas. Quero voltar e voltarei... 

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Boas Festas

As festas aproximam-se e, com elas, os reencontros com amigos e família. Este fim de semana começa o périplo do frio, os abraços e votos de boas festas. É certo que ainda não é natal. É certo que ainda muitas luas cruzarão os céus mas este fim de semana marcará o arranque da época natalícia. 

Por enquanto ainda não é natal lá por casa mas quando as luzes se acenderem nos olhos curiosos do Gui, prometo voltar com um relato de magia que, certamente, terá lugar naquelas mãos pequenas que tentam, sempre, agarrar o mundo inteiro...

Até lá, o pequeno terá que se contentar com o natal que já chegou à cidade...


quinta-feira, 14 de novembro de 2013

manhã


Viajo entre aquele burburinho matinal que me é completamente alheio. Da autoridade de um semáforo até à obesidade de uma rotunda desfilam edifícios novos, abandonados, habitados ou apenas ocupados. Avenidas infernais que sobem até ao colapso final, invariavelmente vermelho. Vejo, ao longe, pairando, a estátua gloriosa que guia a minha viagem. A minha aproximação faz-se de forma lenta, quase imperceptível, ao ritmo que aquela amálgama de carros permite. Buzinas e rugidos de motores em arranques bruscos e exagues são o retrato fiel de uma qualquer manhã, neste caso, portuense.

Fecho, com algum estrépito, a porta do carro e afasto-me rapidamente da aorta desta cidade; caminho ao longo da calmaria que as zonas residenciais vazias espelham; o eco dos meus passos ressoa nas paredes sisudas dos edifícios que me rodeiam e o silêncio que me transmitem é impenetrável como uma dúvida, indecifrável como um enigma.

Caminho. E esse caminhar faz-me reencontrar comigo mesmo, faz com que me identifique com a cidade que, finalmente, me acaricia com alguns laivos de sol, quentes e frescos, retemperadores; encontro o sol mas procuro, ainda, outras referências. Caminho rua abaixo até encontrar o edifício que me albergará durante estes dias. Finalmente, alheado da rua, do sol, dos ruídos e dos meus pensamentos, a casa das artes faz-se notar.

Dissimulada entre dois muros que a contraem há uma porta que me convida a entrar. Conto, enjeito esse convite e percorro os jardins que se estendem por um espaço indefinido... as suas árvores e arbustos cortam-nos a visão, encaminham-nos para zonas mais próximas do chão, toldam-nos os pensamentos e oferecem-nos uma neblina verde que nos prende, arrasta e impele.

É aí, nesse instante fugaz, nesse ambiente romântico e recôndito que eu esqueço todo o caminho que me trouxe até aqui: dissipam-se os ruídos metálicos e os zumbidos de protesto e o silêncio verde preenche-me com uma acalmia inusitada que me deixa, por fim, reconciliado com o Porto.
 

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

1M (*)

1 de Março, o primeiro dia do mês começa  com o cheiro a óleo dos carris numa estação da CP; ruído de vozes; malas que deslizam sobre o cimento e um ou outro comboio esporádico que circula pela linha. O cheiro a café distrai-me, chama-me à realidade e permite-me uma leitura rápida pelas parangonas dos jornais.

Corpos que se acumulam na plataforma, na expectativa do comboio que chega; o suburbano apinhado avança ao ritmo imposto pelo maquinista... o embalo da viagem sobre os carris transporta-me para outras realidades; recordo outros destinos, outras paisagens, outros comboios. Conversas cruzadas, opiniões díspares e comentários absurdos; árvores que aparecem para logo depois desaparecerem e a praia que se mostra em todo o seu esplendor, banhada por um sol que andava escondido há algum tempo.

Regresso ao comboio. Esqueço a praia quando uma voz enlatada tenta seduzir os passageiros com uma nova estação. Março. Comboio apinhado onde, em cada estação, mais pessoas se agrupam. Rostos perdidos em paisagens longínquas, músicas que ecoam através de auriculares e conversas ocasionais. Novo aperto, nova estação e nova remessa de gente que se compacta dentro da carruagem; novo arranque, em busca de outro destino, de outra gente e de outras memórias.

Eu próprio procuro as minhas... e penso que hoje não é jueves.  



(*) Escrito inicialmente a 1 de Março de 2013, algures entre Vila Nova de Gaia e Aveiro, num suburbano matinal.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

natal (*)


Ontem foi natal. Ou melhor, o pinheiro de natal cresceu, enfeitou-se e, no fim, iluminou-se. As decorações guardadas no início do ano foram resgatadas do pó que acumulavam, bolas, velas, estrelas, pequenas luzes e até o presépio, tudo teve direito a ver, de novo, a luz do dia.

As hastes do pinheiro foram esticadas, torcidas e retorcidas; finalmente foram retocadas, quando o canto da sala recebeu o tripé onde um frio ferro permite um entrelaçar de plástico que simula o verde das florestas que o inverno sempre permite.Depois da estrela ocupar o lugar que, obviamente, lhe é devido, as luzes acenderam-se e o olhar do mais recente membro da família iluminou-se na mesma proporção.

Enquanto que o olhar do pequeno Gui  não se desviava das luzes que, de forma ritmada, acendiam e apagavam de forma inebriante, os nossos olhos não podiam afastar-se dos dele, da magia que tudo aquilo representava para os seus inocentes 5 meses. É certo que a única magia era a dos reflexos e das luzes, ainda não há magia de natal, nem das reuniões familiares, da entrega de presentes, da existência do pai-natal, nem da esperança crescente no futuro. Apenas e só a magia da luz, do brilho e dos reflexos.

Ainda hoje, um dia depois, recordo a forma como aquele pinheiro foi o centro das atenções. Ainda hoje recordo como o natal se deu a conhecer ao Gui. O primeiro de muitos. Aquele em que o natal voltou a entrar nas nossas vidas com aquela dose de ilusão e alegria que preencheu a nossa infância.

E ontem, enquando as luzes acenderam aquele olhar, outras luzes se acenderam. Algures. Onde quer que estejam, terá havido algumas estrelinhas que brilharam mais na noite escura e fria que nos envolvia.

É este o eterno retorno. 


(*) Escrito inicialmente a 3 de Dezembro de 2012. 

conceição (*)


Gosto de me sentar numa esplanada, papéis espalhados pela mesa, uma ou outra leitura e alguma escrita. Com a chegada dos dias pesados, em que o calor nos comprime debaixo da grande bola de fogo, sabe-me bem um fim de tarde à sombra, com vista sobre o casario diverso que compõe a praça, à sombra do olhar vago e perdido no horizonte de Pêro da Covilhã.

Hoje lia. Folheava artigos, oscilava entre diferentes autores enquanto reformulava parágrafos mentais que, obrigatoriamente, devo plasmar em papel e enviar a quem de direito.

Perde-se-me, também a mim, o olhar no horizonte. Ruídos de motores confundem-me os sentidos. Um desfilar de automóveis num pára-arranca quase ébrio faz-me esquecer a leitura agendada; o tic-tac maquinal, industrial vai sonorizando a pintura impressionista que os meus olhos vão (re)criando... a grua que balança e se verga sob o peso dos materiais que transporta...

Nisto, um ponto preto destaca-se do quadro que se desdesenhava - tradução livre de um fenomenal conceito castelhano - à minha frente. Um passo certo e compassado, numa passada curta mas decidida que eu reconheço e temo. Recordo esses passos como uma das mais fortes memórias de infância, os mesmos passos que aterrorizavam qualquer um de nós, dentro daquela sala onde os números passaram a ser números e as letras, todas as palavras do mundo.

reconheço-lhe a passada miúda, o semblante carregado e seco, a postura irrepreensível. Sei que, de uma ou outra forma, lhe devo muito do que sou e, para além disso, sou muito do que ela é.

Olho-a novamente, enquanto o meu olhar ainda a pode acompanhar, antes de que a praça se lhe acabe. reconheço-lhe alguma debilidade, talvez derivada da idade ou de qualquer outra rasteira da vida, dessas que nos atropelam sem darmos conta. Vejo-a magra como uma dúvida mas forte como uma certeza e, em silêncio, agradeço-lhe os meus primeiros quatro anos de escola e todos os outros que se lhe seguiram.

"Obrigado sra. professora". Em pé. Naturalmente.

(*) Escrito originalmente no verso de "Adquisición y/o aprendizaje del español /LE", de Marta Baralo, nos inícios do mês de Junho 

(**) Fotografia emprestada, daqui.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

o bater do teu coração

Quando me leres terão já passado muito anos. Quando tudo isto faça algum sentido para ti, muitos mais estarão já sobrepostos aos anteriores...

Quando me leres, as tuas fotografias serão uma banalidade, serão apenas um elo na tua vida, mas hoje... hoje não. A tua fotografia de hoje foi, é e será um marco. Um marco na nossa vida e um alicerce nas fundações da nossa família.

Quando me leres, mais banal do que as tuas fotografias será o bater do teu coração... mas hoje, quando te ouvi... quando te ouvi o meu coração deixou de bater; apenas podia ouvir-te, apenas podia sentir no meu coração o ecoar rápido e forte do teu coraçãozinho.

És parte de mim e, hoje, essa unidade mostrou-se como nunca. És real, tão real como as lágrimas que senti ao ver-te e ao ouvir-te...

Quando me leres, não sei se algo disto terá sentido para ti... quando me leres serás diferente da fotografia que hoje vejo e revejo. Quando me leres e o teu coração bata, sabe que o meu coração baterá em uníssono com o teu...

sempre. como hoje, como da primeira vez em que te vi...


escrito inicialmente a 12 de dezembro de 2011

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

reencontro


A vida mostra-nos o frágil que somos, talvez até mais do que uma vez por dia. Olhamos para trás e suspiramos. Respiramos fundo e pensamos no que podia ter acontecido.

Hoje o dia começou com uma dessas situações. A mistura explosiva invernal fazia-se sentir no alcatrão imóvel e traiçoeiro que me conduziu. Recta, curva, lomba, recta, curva e zás, lá estava ele: veículo e condutora, fora da estrada e a salvo de qualquer mazela.

Dou a volta, encosto. Queremos assegurar-nos (eu e os meus companheiros de viagem) de que tudo está bem. A condutora acidentada reconhece-me. No meio do nervosismo, trata-me pelo nome e isso parece reconfortá-la um pouco mais.

Trocámos conversas naturalmente desconexas, com nervosismo e telefonemas à mistura. Trocámos contactos... arrancámos em direcção ao nosso destino analisando cada milímetro do alcatrão que nos acompanhava com desconfiança.

Foi um reencontro curto e em circunstâncias pouco ortodoxas. Mas talvez por isso mesmo, hoje, eu
olho para trás e suspiro. Respiro fundo e penso no que podia ter acontecido.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

lá fora

Lá fora a chuva cai. Incessantemente. Ouço-a cair de forma certa e repetitiva. Ouço-a gotejar aqui e além. À minha volta acumulam-se papéis e trabalho, vidas e histórias que conheço ou, em alternativa, vou conhecendo.

Lá fora ouço ruídos de festa, de euforia alcoólica que se intervalam com a chuva que, de mansinho, inunda a minha cabeça.

Lá fora jovens estudantes celebram um rito de passagem, aquele rito que, em alguns momentos da nossa vida, já nos pareceu a coisa mais importante do mundo e algo de que não poderíamos abdicar nunca.

Lá fora a minha vida já desfilou. Outros há que ainda não sabem que tudo muda e que as recordações serão os únicos sorrisos que, em dias como hoje, poderão acompanhar-nos.

Lá fora capas negras ondulam ao sabor dos passos, encharcadas com o peso da água que vão absorvendo. Passos apressados abrem caminho para um evento onde os relógios não existem e o tempo pára.

Lá fora há alegria e animação, desejo de vencer e de não ser vencido, gritos, berros e urras e sorrisos e risos e danças e bailes e coreografias e o sr. Manuel do bar e a mula...

Lá fora há, seguramente, alguém que no futuro esteja cá dentro a pensar como está tudo lá fora. com vista para os tais papéis, claro está...

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

29

Este fim de semana foi bom. Foi relaxado e simples. Foi recheado e saboroso. Foi um fim de semana que nos trouxe um sorriso inesquecível, de orelha a orelha.

O outono parece ter chegado em força... as árvores pintaram-se de amarelo, como os teus cabelos e o fumo das queimadas desponta pelo horizonte da nossa cova da beira, preparando a terra para as sementes que hão-de frutificar.


Tudo começa a ser tratado, cuidado e preparado. Agora resta-nos esperar. pacientemente...

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

vem chuva, vem (*)

Viajo na minha mente. Tento recordar formas simpáticas de fugir a este calor que queima a planície. Penso em montes brancos, pintados com açúcar em pó por frias noites de larga invernia, mas o choque térmico parece-me exageradamente extremado.

Refugio-me apenas em tardes de uma chuva monótona, triste e repetitiva. Contudo, a humidade que me percorre os ossos, como a maresia sobe pela praia da Madalena, tolda-me o pensamento.


Paro e recomeço.

Viajo na minha mente. Viajo até à fonte de água cristalina e fresca. Uma das muitas que preenche espaços de recordação na minha fresca serra. A temperatura amena. A água que escorre pelo granito a recordar a estação das chuvas e o degelo das neves. A brisa permanente que canta quando desliza pela urze...

Viajo. Viajo para fugir deste verão interminável. Espero a chuva que encha as fontes de água minguante.... espero...




(*) Título obviamente surripiado do mítico repertório de Jorge Palma

terça-feira, 11 de outubro de 2011

sonata de outono (*)


Revisito textos antigos, revivo sentimentos e viajo até tempos passados: momentos de felicidade ou de tristeza fazem-me olhar para trás.

Muitos outros momentos houve que não tiveram direito a ver a luz de todos os monitores que por aqui vão passando. Recordo também alguns deles, como aquelas "imagens que passais pela retina". Paro de escrever e olho, absorto, o sol que, quente, fustiga os solos secos da campina.


É a monotonia de uma tarde de outono que me invade; apesar do que parece, o outono já chegou e, como ele, a monotonia que muitas vezes me invade e que, habitualmente, dura até às primeiras neves.


O tempo é, de facto, uma coisa tramada... apesar do sol, do calor e da roupa primaveril... o outono...


...instalou-se.



(*) Título obviamente surripiado do fantástico repertório de Carlos do Carmo

terça-feira, 10 de maio de 2011

saudades do futuro (*)


Hoje a tarde está a ser de trabalhos manuais, na preparação de actividades que se aproximam. O sol vai brincando comigo ao toca e foge, ora lambendo-me com o seu fogo, ora escondendo-se atrás das árvores que envolvem os vidros que dele me mantêm a salvo.

O verão parece agora querer chegar e, com ele, a alegria dos dias grandes, das tórridas tardes e noites abafadas... o eco do vazio que, não raras vezes, com ele se instala. Contudo, anseio pela sua chegada... os passeios, os salpicos de água, a areia da praia... o tempo que pára...

...e tudo porque estarás comigo, porque estaremos juntos... sem horas nem relógios nem pressas nem telefones nem computadores. Tu e eu. apenas.



(*) título obviamente surripiado de uma célebre música, que não a de Camané

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

um dia completo

Hoje a bicicleta perdeu as teias de aranha que tinha já começado a ganhar e os papéis de uma tese há muito adiada deixaram, também eles, de ficar perdidos no tempo.

Reavivo memórias perdidas enquanto pedalo para, posteriormente, me lançar com grande afinco à escrita, à produção textual que DEVO terminar. O exercício físico despertou em mim algo que me fugia há algum tempo, assim como a escrita me exige que haja pedais que girem em torno de um eixo...


Pedalei e escrevo. Encontro nestas duas actividades uma complementaridade estranha e insondável. Por agora vou voltar ao trabalho, à tal escrita...



Logo, com o chegar da noite, volto para as nossas caminhadas que nos mostram sempre detalhes escondidos de uma Covilhã que temos vindo a esventrar diariamente.

Tenho vontade que anoiteça rápido, quero voltar, mais uma vez, a calcorrear - contigo - estas nossas ruas.

terça-feira, 16 de novembro de 2010


A vida tem destas coisas. Pequenos detalhes que nos fazem pensar e repensar o que somos e o que fazemos...

e o que faremos...

Carta a un imbécil

“Querido imbécil: No llegarás a comerte las próximas uvas, porque de aquí a un año estarás muerto. Y cuando digo muerto quiero decir muerto de verdad, criando malvas para los restos. No palmarás, te lo comunico, de forma heroica, ni útil, ni siquiera natural. Habrás fallecido estúpidamente, a ciento ochenta y en un cambio rasante, o una curva, susto cuando pongas para ti mismo cara de duro de película y metas gas, intrépido, jaleado por música imaginaria o real, creyéndote el rey del mambo. Lo peor del asunto, discúlpame, no será tu pellejo; que al fin y al cabo – salvo para ti mismo y algún familiar- no valdrá gran cosa al precio a que lo vas a vender. Lo malo es que te llevarás por delante, quizás, a gente que ningún interés tiene en acompañarte en el viaje: amigos incautos, la familia que vaya de vacaciones en el coche opuesto, el peatón, el camionero que trabaja para ganarse la vida. Sería más práctico y más limpio, ya puestos a eso, que acelerases hasta doscientos y te estamparas en bajorrelieve contra una pared, que es un gesto más íntimo y considerado. Pero sé que no lo harás así, por que en lo tuyo no hay voluntad de hacerte pupita. Cuando llegue será de forma imprevista, y aún tendrás tiempo de poner ojos de esto no me puede ocurrir a mi antes de romperte los cuernos y quedarte, como dicen los clásicos, mirando a Triana para los restos.

Llevo varios años viéndote pasar a mi lado por carreteras y autovías, abonado el carril izquierdo, dándome las luces para que te deje, en el acto, franco el paso. A veces te pegas a un palmo del parachoques trasero, confiando siempre, ante mi posible frenada, en la sólida mecánica de tu coche y en tus proverbiales reflejos y sangre fría. En la intrepidez de tu golpe de vista y en el valor helado, sereno, que tanta admiración despierta a tu alrededor y, en especial, en ti mismo. Guapo. Machote. Que eres un virtuoso.

Mira, voy a confiarte un secreto. Somos tan frágiles que te temblarían las manos si lo supieras. Todo cuanto tenemos, que parece tan sólido y tan valioso y tan definitivo, se va al carajo en un soplo, en un segundo, al menor descuido nuestro y al menor guiño del azar, la vida, la condición humana. Basta un insecto, un virus, un trocito de metal en forma de metralla o bala, una gota de agua o de aceite sobre el asfalto, un estornudo, una cualquiera de esas bromas pesadas con las que el Universo se complace en pasar el rato, y tú y todo lo que tienes, y todo lo que representas, y todo lo que amas, y todo lo que fuiste, lo que eres y lo que podrías haber sido, se va al diablo y desaparece para siempre sin que vuelva nunca jamás. Así nos iremos todos, claro. Pero unos se irán antes que otros. Y a ti, querido, te toca en 1994 la papeleta. Claro que a lo mejor me mato yo antes. O a lo mejor me matas tú. Pero yo sé que eso puede ocurrirme cualquier día en cualquier sitio, porque mi condición es mortal. Mientras que a ti ni siquiera se te ha pasado por la cabeza.

Lamento no poder comunicarte las circunstancias exactas en que efectuarás -afortunadamente- tu último adelantamiento. Ignoro si tu nombre quedará sepultado en las estadísticas de operaciones retorno, puentes o fines de semana, o si merecerás tratamiento individual, tal vez con foto de hierros y retorcidos pies asomando bajo una manta -siempre se pierde un zapato, recuerda, no uses calcetines blancos- en las páginas de un diario o, incluso, con suerte, en un informativo de la tele. Pero las circunstancias de tu óbito me traen al fresco. Como ya sabes que no suelo cortarme en esta página, diré que ni siquiera me importas tú.

Hay quien afirma que toda la vida humana es sagrada, y puede que sea cierto. Pero no resulta menos cierto que ya he visto desaparecer unas cuantas vidas, y que algunas me parecen menos sagradas que otras. En cuanto a la tuya, y me refiero a tu vida personal e intransferible -salvo que creas en la reencarnación-, allá cada cual si quiere pagar tan caro el dudoso placer de cabalgar a caballos de hojalata que devoran a su jinete. Y no vengas con eso del amor al riesgo y el vivir peligrosamente. Conozco a mucha gente que sabe perfectamente, de grado o por fuerza, lo que es riesgo y la vida peligrosa. Gente que sí merecen que derramen lágrimas por ella cuando le pican el billete, en lugar de lamentar la desaparición de fulanos como tú; de tipos incapaces de valorar la vida que poseen y que por eso la malgastan. Qué sabes tú del riesgo, capullo. Y de la muerte. Y de la vida. Que tengas buen viaje.”

Carta a un imbécil (1994) – Arturo Pérez Reverte


Hoje não consigo dizer mais nada. Talvez amanhã. Talvez...

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

a norte



Um fim de semana a norte, embalado pelo som do mar que se ia enrolando suavemente na areia fria. Escutei-o infinitamente ecoando dentro de mim bem depois de o ter deixado para trás; escutava-o ainda antes de o alcançar, quando o ruído martelado do motor rompia a quietude do alcatrão quente e negro, escuro como uma memória que queremos recordar e que se nos escapa.

Um fim de semana a norte para carregar baterias, embalado pelo som do mar que embatia friamente na costa rochosa. Escutei a forma como rebentava e ouvi-me em eco, lá longe, muito longe... embora perceptível.

Um fim de semana a norte, também, para me encontrar. Para perceber que o mar é também calmo e expressivo mesmo sem romper a harmonia das rochas e a quietude de uma noite estrelada e com um luar redondo, quente e que (me) iluminava até o mais profundo de mim.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

os loucos estão certos



Moves os lábios. Não te ouço, apenas vejo os teus lábios que se agitam numa conversa surda. Não te ouço. Não é suposto ouvir-te. Moves os lábios e encolhes os ombros, talvez duvidando do que dizes, com o olhar fito no horizonte, no teu horizonte.

O verde dos canteiros da praça parece fazer-te dizer que sim, depois da ligeira hesitação de há pouco. A velocidade dos teus pensamentos levou-te a deixar as hesitações e as periclitantes dúvidas.

Afirmas as tuas certezas enquanto o cigarro efectua rápidas viagens até aos teus lábios que se movem apesar da sua mudez. Fitas o horizonte, o teu horizonte. Fitas a praça que se espraia à frente de uma igreja imensa e majestosa.

Vejo-te sorrir. Os dizes felicidade mas eu leio-o nos teus lábios que sorriem perante as tropelias de uma criança. O sol banha a praça, os canteiros, os sinos inertes e até os teus lábios mudos. O sol impõe-se lá no alto, esquecendo-se apenas da fachada da fria igreja. Os teus lábios movem-se mas não te escuto, não te ouço mas sei que falas. Falas sem falar e isso é suficiente para mim.

Percebo-te. Consigo até compreender-te melhor do que os gritos das crianças que delimitam os canteiros. Escuto os seus lábios e nada. Escuto as suas palavras e nada. Nenhum som chega até mim, a não ser as tuas palavras surdas, vindas dos teus lábios que se mexem sem falar.

Escuto-te sem te ouvir e ao teu cigarro que, num vai e vem desenfriado, se vai esgotando, queimando, desaparecendo, desvanecendo... que, nitidamente, se vai esfumando enquanto os teus lábios continuam, como um pêndulo irrequieto, o seu movimento incessante e surdo, mas facilmente compreensível.

escrito inicialmente em guardanapos de papel, a 16 de agosto de 2010

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

ontem e hoje


Ontem já foi há muito tempo. Hoje os dias são maiores e com menos tempo para extrair deles todo o sumo de que precisamos. Ontem houve passeios e sorrisos e a responsabilidade tinha ficado fechada em casa... mas...

há sempre um mas nestas histórias...

ao chegar a casa,
quando ontem passou a ser hoje, ali estava ela, impassível e irresistível. Irreversível. Hoje não é, seguramente, ontem mas sei que amanhã o sol vai despontar de novo, o calor que dele irradiar vai aquecer-nos e outros barcos acabarão por cruzar-se connosco.

Hoje a questão terá de ficar adiada. Ainda não foi hoje que o barco aportou. Talvez devêssemos sair desta paragem de autocarros, não creio que ele vá chegar a nós se nos mantivermos por aqui.

Vem, o sol espera-nos...

terça-feira, 31 de agosto de 2010

post em corrida



Há novidades e há resumos... mas não agora. O calor que, seguramente, se vai prolongar por setembro bate-me em cheio recordando-me as férias que já passaram. O trabalho voltou e fê-lo com um ritmo frenético.

Volto já. Agora tenho que correr, qual Carlos e Ega, para o apanhar...

terça-feira, 27 de julho de 2010

com o calor e os incêndios há outra coisa que chega

Em período de férias há sempre mais gavetas que se abrem.